domingo, 1 de setembro de 2013

MODELO DE FICHAMENTOS BIBLIOGRÁFICOS

Blog "Metodologia Científica na Prática", de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.

Disponível em http://www.metodologiacientificanapratica.blogspot.com.br/

 

FICHAMENTO BIBLIOGRÁFICO 1
  


ID: M003

TÍTULO DO TRABALHO: CIÊNCIA AMBIENTAL

DADOS BIBLIOGRÁFICOS: MILLER JR., G. TYLER. Ciência Ambiental. 11ª edição. São Paulo: CENGAGE Learning, 2012. 590p.


FICHA:

     Apresentação:

O livro intitulado “Ciência Ambiental”, de G. Tyler Miller Jr. (2012) é um compêndio interdisciplinar sobre a sustentabilidade. Explana claramente o funcionamento da Terra e suas inter-relações com a sociedade. Por meio de estudos de caso, reflexões críticas, quadros-resumo, diagramas e suplementos científicos apresenta as causas e os impactos das ações antrópicas sobre o meio ambiente natural bem como as soluções para alcançar a sustentabilidade. Considera a legislação ambiental norte-americana como parâmetro das políticas ambientais no mundo. Fala bastante do Brasil, tomando por exemplo o empreendimento de Curitiba como uma das megacidades mais sustentáveis do mundo.

     Descrição:

O autor resume sua obra por meio de dois diagramas, a Figura 6.16 e a Figura 6.17, salientando quatro princípios inter-relacionados de sustentabilidade, derivados do aprendizado de como a natureza se sustenta, quais sejam:

1.    Energia solar: nossas vidas, estilos de vida e economias são totalmente dependentes do Sol e da Terra. Precisamos da Terra, mas ela não precisa de nós. Como espécie, somos dispensáveis;

2.    Biodiversidade: todas as coisas estão relacionadas e são interdependentes. O objetivo principal da ecologia é descobrir quais relações na natureza são mais fortes, mais importantes e mais vulneráveis à modificação para nós e para outras espécies;

3.    Reciclagem de nutrientes: nunca fazemos uma ação única. Qualquer intromissão humana na natureza tem efeitos colaterais inesperados e, na maioria das vezes, indesejados. Quando alteramos a natureza, precisamos perguntar: “E agora, o que irá acontecer?”;

4.    Controle populacional: não podemos sustentar indefinidamente uma civilização que exaure e degrada o capital natural da Terra, mas podemos sustentar uma que sobreviva do rendimento biológico fornecido pelo capital natural do planeta;

O capital natural é constituído pelo somatório dos recursos naturais[1] com os serviços naturais[2]. Os recursos naturais e os serviços naturais fornecidos pelo capital natural da Terra apóiam e sustentam as vidas e economias do planeta. Por exemplo, os nutrientes ou elementos químicos, como carbono e nitrogênio, que plantas e animais precisam como recursos, são reciclados por meio do ar, da água, do solo e de organismos pelo processo natural da ciclagem de nutrientes. As interações e a competição entre os diferentes tipos de plantas e animais (espécies) por recursos (nutrientes) evitam que uma única espécie domine o serviço natural de controle populacional.
As pegadas ecológicas[3] da humanidade ultrapassam a capacidade ecológica da Terra de repor seus recursos renováveis e de absorver os resíduos em cerca de 21%. Se essas estimativas estiverem corretas, estamos usando os recursos renováveis 21% mais rápido do que a Terra leva para renová-los. Em outras palavras, seriam necessários os recursos de 1,21 planetas Terra para sustentar indefinidamente nossa produção e consumo atuais de recursos renováveis.
O impacto ambiental[4] (I) de uma população em determinada área depende de três fatores principais: o número de pessoas (P), a média de uso de recurso por pessoa (riqueza, R), e os efeitos ambientais benéficos ou nocivos das tecnologias (T) utilizadas para fornecer e consumir cada unidade de recurso e controlar ou prevenir a poluição e degradação ambiental resultantes.
Persistência é a medida de quanto tempo o poluente permanece no ar, na água, no solo ou no corpo. Os poluentes podem ser classificados em quatro categorias de acordo com sua persistência:

a) Poluentes degradáveis ou não-persistentes: são decompostos completamente ou reduzidos a níveis aceitáveis pelos processos naturais físicos, químicos ou biológicos.
b) Poluentes biodegradáveis: são poluentes químicos complexos que os organismos vivos (em geral bactérias especializadas) decompõem em substâncias químicas mais simples. O esgoto humano depositado em rios, por exemplo, é biodegradado de um modo razoavelmente rápido por bactérias se o esgoto não for adicionado mais rapidamente do que pode ser decomposto;
c) Poluentes lentamente degradáveis ou persistentes: demoram décadas ou mais para degradar. Entre estes estão o inseticida DDT e a maioria dos plásticos.
d) Poluentes não degradáveis: são substâncias químicas que não podem ser decompostas pelos processos naturais. Entre estes estão elementos tóxicos como chumbo, mercúrio e arsênio. Devemos tentar não utilizar essas substâncias. Se o fizermos, é preciso encontrar formas de mantê-las longe do ambiente.

Uma população é um grupo de indivíduos da mesma espécie que interage e ocupa uma área específica. Uma comunidade, ou comunidade biológica, é formada por todas as populações de diferentes espécies de plantas, animais e microorganismos vivendo e interagindo em uma área.
Atualmente existem cerca de 1.412.000 espécies conhecidas, sendo 751.000 insetos, 248.400 plantas, 57.700 protistas, 4.800 procariotos, 69.000 fungos e 281.000 outros animais.
Os cinco principais tipos de solo são: a) solo desértico (clima quente, seco): mosaico de calhaus; seixos bem compactados; húmus fraco; mistura mineral; b) solo de campos (clima semi-árido): alcalino, escuro e rico em húmus; compostos de cálcio, argila; c) solo de floresta pluvial tropical (clima úmido, tropical): húmus ácido e de cor clara; compostos de ferro e alumínio misturados com argila; d) solo de floresta decídua (clima úmido, ameno): serapilheira; mistura de húmus e minerais; greda siltosa clara, marrom-acinzentada; argila firme, marrom-escura; e) solo de floresta de coníferas (clima úmido, frio): serapilheira e húmus ácido; ácido e de cor clara; compostos de alumínio, húmus e ferro.
As espécies que atuam como avisos iniciais de danos a uma comunidade ou ecossistema são chamadas de espécies indicadoras. Por exemplo, a presença ou ausência de espécies de trutas na água em temperaturas dentro de sua faixa de tolerância é um indicador da qualidade da água, pois as trutas precisam de água limpa com alto nível de oxigênio dissolvido. As aves são excelentes indicadores biológicos, pois são encontradas praticamente em qualquer lugar e são logo afetadas por mudanças ambientais, como perda ou fragmentação de seus habitats e introdução de pesticidas químicos. As borboletas são boas espécies indicadoras, pois sua associação a diversas espécies de plantas as torna vulneráveis à perda e fragmentação de habitats.
Espécies-chave são aquelas que desempenham papéis fundamentais na cadeia alimentar, sem os quais a mesma não pode subsistir. Em algumas comunidades, as espécies-chave desempenham papel semelhante. Essas espécies exercem um efeito muito maior sobre os tipos e abundância das demais espécies em uma comunidade do que seus números sugerem. Eliminar uma espécie-chave pode alterar drasticamente a estrutura e o funcionamento de uma comunidade.
Alguns ecologistas acreditam que as espécies-chave deveriam incluir as espécies fundadoras, que desempenham o importante papel de moldar comunidades ao criar e aperfeiçoar seus habitats de maneiras que beneficiam outras espécies. Por exemplo, os elefantes empurram, quebram ou arrancam árvores, criando clareiras nos campos savânicos e florestas na África. Seu trabalho promove o crescimento de gramíneas e outras plantas de forragem que beneficiam espécies menores, como os antílopes, e acelera a taxas de ciclagem de nutrientes. Algumas espécies fundadoras de aves e morcegos podem regenerar áreas desmatadas e espalhar plantas frutíferas ao dispersar sementes dessas plantas por meio de seus excrementos.
Dentre as ferramentas de urbanismo utilizadas para impedir e controlar o crescimento urbano e o alastramento, destaca-se:

I - Limites e regulamentações: a) limitar autorizações para construção de edifícios; b) limites do crescimento urbano; c) cinturões verdes em volta das cidades; d) crítica pública do novo desenvolvimento;
II - Zoneamento: a) encorajar o uso misto; b) concentrar o desenvolvimento ao longo de rotas de transporte em massa; c) promover desenvolvimento de moradias aglomeradas de alta densidade;
III - Planejamento: a) planejamento para uso ecológico da terra; b) análise do impacto ambiental; c) planejamento regional integrado; d) planejamento estadual e nacional;
IV - Proteção: a) preservar o espaço aberto existente; b) comprar novos espaços abertos; c) comprar direitos de desenvolvimento que proíbam determinados tipos de desenvolvimento em lotes de terra;
V - Impostos: a) cobrar impostos de terras, e não de construções; b) cobrar impostos de terra sobre o valor do uso real (como florestas e agricultura) em vez do valor mais alto como terra desenvolvida;
VI - Isenções de impostos: a) para proprietários que concordarem legalmente em não permitir determinados tipos de desenvolvimento (encargos de conservação); b) para limpar e restaurar locais urbanos abandonados (áreas ociosas ou brownfields);
VII - Revitalização e novo crescimento: a) revitalizar cidades existentes; b) criar novas vilas bem planejadas dentro de cidades maiores.

Os seis tipos de energia renovável são: solar, de água corrente, eólica, de biomassa, de hidrogênio e geotérmica.

     Avaliação:

Do ponto de vista do autor, apesar de os problemas e conflitos socioambientais constituírem uma questão complexa de ser solucionada, ainda sim é possível alcançar a sustentabilidade. Nas palavras dele, “possuímos uma incrível gama de soluções científicas, tecnológicas e econômicas para os problemas que enfrentamos”, sendo o nosso desafio “implementar tais soluções convertendo conhecimento, sabedoria e pontos de vista ambientais em ações políticas” (MILLER JR., 2012, p. 500).
Percebe-se no decorrer de todo o compêndio a riquíssima bagagem acadêmica e profissional do autor, a seriedade com que ele fez sua obra bem como a altíssima confiabilidade das informações apresentadas. MILLER JR. transparece otimismo no decorrer de sua obra, apontando soluções baseadas em exemplos reais. Seu otimismo fica clara em trechos como o que diz “esta é época empolgante para estar vivo uma vez que nos empenhamos para implementar tais ideais [soluções científicas, tecnológicas e econômicas para os problemas que enfrentamos] iniciando uma nova forma de relacionamento com a Terra, que nos mantém vivos e suporta nossas economias” (MILLER JR., 2012, p. 500).
Baseando-se no fato de que todo o progresso ambiental que fizemos desde 1968, com o lançamento do livro “Primavera Silenciosa”, de Raquel Carson, para ele, alcançarmos a sustentabilidade global requer compreender que os indivíduos realmente fazem toda a diferença. “Essa jornada começa em nossa comunidade”, afirma o autor, justificando que, na análise final, “toda sustentabilidade é local” (IBID). Ressalta o autor que esses esforços devem começar com a mudança de nosso próprio estilo de vida, pois é esse o sentido do mote: “Pense globalmente, aja localmente”.

     Recomendação:

Diante da vasta bagagem acadêmica e profissional de G. Tyler Miller Jr., seus argumentos, premissas e conclusões se fazem muito bem fundamentados. Sua obra possui um conteúdo extremamente sólido em ciências ambientais. As revisões nela realizadas garantem o rigor técnico e metodológico de um compêndio de altíssima confiabilidade, motivo pelo qual a aprovo e recomendo a todos os interessados pela sustentabilidade social, econômica e ambiental.





[1]Ar, solo, água, terra, vida (biodiversidade), minerais não renováveis (ferro, areia), energia renovável (sol, vento, fluxos de água), energia não renovável (combustíveis fósseis, energia nuclear). (MILLER JR., 2012, p. 4)
[2]Purificação do ar, purificação da água, renovação do solo, reciclagem de nutrientes, produção de alimentos, polinização, renovação de campos, renovação de florestas, tratamento de resíduos, controle do clima, controle populacional (interações entre as espécies), controle de pragas. (MILLER JR., 2012, p. 4)
[3]A pegada ecológica per capita é a quantidade de água e terra biologicamente produtiva necessária para fornecer a cada pessoa os recursos que ela usa e para absorver os resíduos gerados com o uso desses recursos. (MILLER JR., 2012, p. 9)
[4]Impacto ambiental da população (I) = população (P) x consumo por pessoa (riqueza, R) x impacto tecnológico por unidade de consumo (T).
 

FICHAMENTO BIBLIOGRÁFICO 2

ID: D002
TÍTULO DO TRABALHO: Europa, modernidade e eurocentrismo.
DADOS BIBLIOGRÁFICOS: DUSSEL, Enrique. Europa, modernidade e eurocentrismo. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur. Buenos Aires: CLACSO 2005, pp. 41-53.

FICHA:

     Apresentação

O presente artigo busca analisar a leitura de Enrique Dussel sobre a filosofia marxista que a adota como um dos pontos para a construção de sua filosofia da libertação. Marx identifica no sistema capitalista uma vítima, que é o trabalhador, o proletariado, o qual emprega sua força na produção da vida material, bem como demonstra que aquele que não participa do sistema de produção capitalista, nem mesmo é reconhecido como ser vivente.

     Descrição

O texto defende a tese de que o eurocentrismo, ideologia/paradigma que tende a colocar a Europa (assim como sua cultura, seu povo, suas línguas, etc.) como o elemento fundamental na constituição da sociedade moderna, sendo necessariamente a protagonista da história do homem, ainda é raiz de muitas ideologias discriminatórias, ainda que inserido no meio social de forma bastante sutil.
Segundo o autor faz-se necessário incluir os aspctos morais, éticos e sociais na análise da evolução humana, pois embora em termos científicos e tecnológicos a sociedade moderna pareça “superior” às gerações passadas, em termos morais, éticos e sociais os problemas que enfrentamos hoje são basicamente os memos e possuem praticamente a mesma complexidade.

     Avaliação

Para se compreender o cerne da discussão proposta por Enrique Dussel é preciso ressaltar que a presença da visão eurocêntrica nos textos clássicos que fundaram a historiografia moderna no Iluminismo e nas Filosofias da História dos séculos XVIII e XIX em autores como Descartes, Kant, Hegel, Voltaire, Marx e Engels, resulta de suas tentativas de construir interpretações evolutivas das sociedades humanas tendo como base para seu pensamento o progresso da história da Europa Ocidental.
O autor revela como autores referenciais do pensamento moderno compartilhavam dessa visão preconceituosa, arrogante e prepotente, onde somente determinados homens, a partir de determinados lugares, culturas e línguas, têm o direito ao pensamento, à filosofia, à ciência.

     Recomendação

Essa história eurocêntrica, reforçada pelo positivismo de Comte através de uma explicação da história mundial provincialista e teleológica, reconstruída dos primórdios até o advento da “Modernidade” constitui uma tendência já muito criticada por J. Chesneaux, mas que se utiliza até hoje do modelo quatripartite da História disciplinar: antiga, medieval, moderna e contemporânea.
Em ‘Europa, modernidade e eurocentrismo’, o autor expõe à sua crítica, a interpretação hegemônica no que se refere à interpretação da Europa moderna (à “Modernidade”), problema fundamental na definição da “identidade latino-americana” decorrente da exclusão de sua história, pela historiografia tradicional. Por sua rica bagagem na área em questão, recomendo tal obra.


FICHAMENTO BIBLIOGRÁFICO 3

ID: D004
TÍTULO DO TRABALHO: Transmodernidade e Interculturalidade.
DADOS BIBLIOGRÁFICOS: DUSSEL, Enrique. Transmodernidade e Interculturalidade. Interpretação desde a Filosofia de Libertação. Cidade do México: UAM-I, 2005. p. 1-28.

FICHA:

     Apresentação

Discutem-se as implicações epistemológicas da viragem descolonial para a descolonização do conceito de “capitalismo global”, tal como tem sido usado nos paradigmas da economia política e dos estudos culturais. Entre outros termos discutidos no artigo, incluem-se “colonização do poder”, “epistemologias de fronteira” e “transmodernidade”, para começar a pensar, não de acordo com “novas utopias”, mas antes com “outras utopias” baseadas numa cartografia diferente das relações de poder globais no âmbito do “sistema mundo europeu/euro-norte-americano moderno/capitalista colonial/patriarcal”. O artigo defende a necessidade de usar este último conceito (apesar da sua extensão) e de abandonar a categoria de “sistema-mundo capitalista” ou “capitalismo global”.

     Descrição

O ponto de partida do método da Filosofia da Libertação é o reconhecimento de um ethos cultural latinoamericano (sistema de valores pensados e vividos; os valores presentes nos estilos de vida práticos, nos hábitos e nos costumes), constituído pôr heranças históricas de elementos das culturas indígenas e negras, das culturas árabes-semitas, das culturas indoeuropéias e da cultura da cristandade colonial européia. Trata-se, para Dussel, de filosofar sobre esse ethos, nele e a partir dele; de ser capaz de, vivendo e conhecendo-o, reconhecêlo e nele reconhecer a possibilidade de formulação de um discurso original e crítico.
A proposta de estudos historiográficos de Dussel intenta desvendar o ser sociocultural das gentes da América Latina a partir da investigação de sua ancestralidade cultural e, ou mítico-religiosa e produtiva, pôr um lado; e, pôr outro lado, intenta afirmar a existência de uma identidade própria e singular dos povos da América Latina. Afirma a existência do ethos de cada povo, distinto do ethos dos europeus; não igual nem inferior. Para pensar, então, uma história da América Latina, Dussel propõe uma ruptura com o modelo de exposição historiográfica da Europa.

     Avaliação

O texto Transmodernidade e Interculturalidade, de Enrique Dussel, trata-se de uma obra que propõe um discurso ético mais abrangente, com a pretensão de fazer a crítica do ´sistema-mundo´ globalizado, a partir do pressuposto de que essa totalidade mundo denominada ´globalização´ ao mesmo tempo que constrói sua identidade — as revoluções do capital tecnológico e do mercado financeiro no sentido do predomínio do capital fictício (como via Marx) — produz também o seu `outro´, ou seja, a exclusão material das grandes maiorias da humanidade, agora denominadas `as vítimas do sistema-mundo´. Segundo as palavras de Dussel,
Esta Ética deseja explicar essa dialética contraditória, construindo categorias e o discurso crítico que permitam pensar filosoficamente este sistema perfomativo autoreferente que destrói, nega e empobrece a tantos neste final do século XX. A morte das maiorias exige uma ética da vida, e seus sofrimentos nos levam a pensar e a justificar a sua necessária libertação das cadeias que as prendem.
Sem dúvida alguma, Enrique Dussel está entre os mais importantes pensadores do nosso tempo. Nele se aliam de forma brilhante o rigor teórico e a paixão política, típica dos grandes pensadores. Lembrete: sua obra mais recente, Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão, publicada no México em 1998 e traduzida no Brasil, pela editora Vozes, em 2000, constitui o mais importante esforço de crítica da tradição filosófica ocidental.

     Recomendação

Segundo Dussel, a perspectiva arqueológica fundadora do começo da história européia deve ser revista em seu significado cultural. A compreensão das formações sociais avançadas entre os povos do Mediterrâneo Oriental e do mundo árabe deve conduzir o historiador a estabelecer um ponto de partida a partir do Oriente, dos povos do oceano Pacífico, para a seguir, compreendendo as culturas desses povos, acompanhar seu movimento de expansão rumo ao Ocidente, rastreando-os sinais dessas culturas, ora inovadores no novo contexto, ora fundadores de novo modo de vida. Nessa perspectiva, a Europa perde sua centralidade e passa à posição de periferia.
Uma outra proposta importante para uma historiografia a partir da América Latina, segundo a perspectiva de Dussel, é a afirmação de uma proto-história cultural dos povos latino-americanos, constituída pelas culturas indoeuropéias, as culturas semitas [incluindo a África] e a cultura da cristandade colonial. Esse estudo deverá nos revelar as origens de múltiplos elementos da vida cultural latinoamericana: nas línguas, nas artes, nas religiões, nas economias, nos sistemas jurídicos, nas organizações familiares, nos hábitos e costumes, entre outros. Só assim poderemos desvendar e reconhecer a ancestralidade cultural dos povos latinoamericanos e tornar possível a construção de nossa história como reveladora da nossa identidade cultural, daquilo que tece a cor da nossa tez cultural.
As reflexões até aqui elaboradas são trilhas de uma caminhar que se está fazendo. O seu sentido é o de reconhecer aquilo que já é conhecido e vivido: a dominação e exploração colonial do nosso continente e de criticar os pressupostos históricos dos sucessivos movimentos de recolonização a que somos submetidos ao longo de séculos a fio. No estudo da nossa história precisamos compreender os elementos que nos vem das culturas estrangeiras e, compreendendo-os desde sua origem, aprender a desprezar o que é desprezível e nos faz mal. O importante para nós não é apenas julgar o olhar do estrangeiro sobre nós, mas, sobretudo, o nosso olhar sobre nós mesmos, para que não nos vejamos com olhar de estrangeiros.

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